A agropecuária tem sido, nos últimos anos, um importante suporte para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, e em 2022, ano em que o ritmo geral da economia deve diminuir, podendo desembocar até numa recessão, o setor será um dos poucos a mostrar avanço, na opinião de analistas. Na avaliação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o PIB da agropecuária deve subir 2,4% neste ano, na comparação com 2021. Para o economista Fábio Tadeu Araújo, sócio-diretor da consultoria Brain, a produção do campo terá expansão de 2,5%.
Araújo observa que, nas contas do Banco Central (BC), o PIB nacional deve crescer 1% em 2022 e que os principais analistas do mercado financeiro, de acordo com o Boletim Focus, projetam uma alta de apenas 0,5%. “Portanto, uma expectativa de 2,5% é duas vezes e meio maior do que o crescimento previsto pelo BC, ou cinco vezes o estimado pelo mercado financeiro. Ainda que não vejamos um avanço como o de alguns anos da última década, em que a produção cresceu mais de 5%, teremos uma alta muito positiva”, diz o economista.
Desafios
De acordo com Araújo, o setor precisará lidar com três grandes preocupações neste ano. A primeira é com relação ao clima, que se mostra cada vê mais inconstante. “A questão da mudança climática realmente está chegando”, diz ele. A segunda preocupação se concentra no custo dos insumos, que tem aumentado significativamente. O terceiro problema para o setor é o impacto, ainda não totalmente claro, das restrições que têm sido adotadas por diferentes países importadores de produtos brasileiros, sobretudo da União Européia, por conta do desmatamento na Amazônia.
Em 2021, a agropecuária foi fortemente afetada pela crise hídrica, a mais severa vivida pelo país nos últimos 91 anos. A falta de chuvas, ao lado de geadas que ocorreram em algumas regiões produtoras, foi a principal responsável pela quebra das safras de culturas importantes, como café, cana de açúcar, milho e algodão. Como resultado, a produção do campo rateou e encolheu 8%, no terceiro trimestre, na comparação com os três meses anteriores, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apesar desse tropeço, as perspectivas para 2022 são favoráveis, segundo a especialista da Mesa Agro da Terra Investimentos Bianca Moura. “Conforme estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra 2021/22 indica recorde de 291,07 milhões de toneladas de grãos. A agricultura foi e continua sendo um dos principais setores da economia. Parte da economia brasileira depende da agricultura, pois esse é um setor que gera empregos, que são puxados pelos crescentes investimentos no setor, ano após ano”, diz ela.
Não à toa, o setor tem se destacado por aumentar a contratação de trabalhadores, inclusive com formação superior, em meio a um quadro geral de desemprego, tanto que o número de pessoas ocupadas no campo já voltou aos níveis pré-pandemia. No terceiro trimestre do ano passado, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), o número de trabalhadores no campo chegou a 18,9 milhões, um avanço de mais de 10% em relação a um ano antes. Foi, além disso, o nível mais elevado em seis anos.
Para Nelson Roberto Furquim, engenheiro de alimentos e professor do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, além do clima, outro fator que pode atrapalhar o cenário favorável para a agropecuária são os aumentos de preço de insumos, em especial de fertilizantes e defensivos agrícolas. São produtos com grande conteúdo de importação e que, por isso, sofrem impacto direto da cotação do dólar. Com a valorização da moeda norte-americana nos últimos meses, os custos de produção aumentaram.
De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a elevação dos custos de produção, devido à alta no preço dos insumos, é um dos elementos que vai impactar o setor em 2022. Para a entidade, além disso, fatores climáticos, como as secas, devem continuar gerando preocupações.
Júlio Cézar Busato, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), afirma que a agricultura, novamente, será o setor que mais vai contribuir para a economia brasileira. “E tomara que ela continue crescendo e produzindo cada vez mais. O mundo está necessitando de um aumento da produção de soja, milho, carnes e fibras, como é o caso do algodão, e o Brasil está se tornando o grande provedor mundial. Nós precisamos aproveitar essa oportunidade, porque, se não fizermos isso, outro país vai aproveitar”, destaca.
Desmatamento entra na agenda
Cada vez mais focada no combate às mudanças climáticas, a pauta ambiental tem dominado a agenda de fóruns internacionais e pode afetar a produção agropecuária brasileira. Grandes cadeias de varejo na Europa e nos Estados Unidos começam a promover um boicote contra produtos que não respeitem regras de sustentabilidade. No caso brasileiro, o desmatamento da Amazônia é o principal sinal de alerta.
Para o engenheiro de alimentos Nelson Roberto Furquim, professor da Universidade Mackenzie, o Brasil pode sofrer retaliações se o desmatamento não for contido. Ele ressalta, ainda, que a derrubada da floresta prejudica diretamente o produtor brasileiro. “Se o desmatamento continuar, muito provavelmente haverá alteração nos padrões de temperatura, que se tornarão mais extremos, com secas e chuvas intensas e oscilantes, prejudicando a economia do país. Essa situação aumentará os riscos para o produtor rural”, diz.
“Além disso, investidores podem aumentar a pressão sobre o governo na intenção de se rever medidas que permitam o aumento do desmatamento. Ou pressionar as empresas que investem no Brasil”, acrescenta.
Para o CEO e fundador do Databoi, Floriano Varejão, a pecuária brasileira, há muitos anos, vem sofrendo com a deterioração da sua imagem internacional por associação da produção de proteína bovina a práticas de desmatamento do bioma amazônico e do cerrado. “Apesar de haver desmatamento ilegal na produção pecuária, é preciso separar o joio do trigo. Segundo publicação recente na revista Science, 2% das propriedades são responsáveis por 62% de todo o desmatamento ilegal. Uma pequena parcela mancha o nome de todo um segmento, que, em sua maioria, é produtivo e sustentável.”
“Portanto, o primeiro passo para a transformação da imagem da pecuária brasileira é identificar os produtores que estão à margem das leis ambientais e impedir a comercialização de seus produtos. Para isso, é necessário um esforço coordenado de toda a cadeia em direção à adoção de tecnologias de rastreabilidade que permitam a transparência da produção e a garantia de sua qualidade”, complementa Varejão.
O ambientalista Charles Dayler observa que, apesar de ser uma bandeira justa, a preservação do meio ambiente pode se tornar uma desculpa para países colocarem barreiras contra o Brasil e protegerem seus próprios produtores. “Se o meio ambiente for bem cuidado, as desculpas caem por terra. E aí qualquer medida para restringir a entrada de produto brasileiro vai ser meramente uma política protecionista, que pode ser contestada na Organização Mundial do Comércio (OMC). Então, se cuidar bem do meio ambiente, o Brasil só tem a ganhar”, afirma.
Fonte: Diário de Pernambuco.